Thursday, February 02, 2006

CARTA DO PAPA BENTO XVI aos leitores da revista “Famiglia Cristiana” explicando a sua Encíclica: “Deus Caritas Est”


“I am happy that “Famiglia Cristiana” is sending to your home the text of my encyclical, and giving me the chance to introduce it with a few words to facilitate its understanding.

At the beginning, in fact, the text can appear a little bit difficult and theoretical. Nevertheless, when you get into the reading, it is evident that the only thing I wanted is to answer to very concrete questions for Christian life.

The first question is this: Is it truly possible to love God? And moreover: Can love be imposed? Isn’t it a feeling that we either have or not?

The answer to the first question is: yes, we can love God, since he has not remained at an unreachable distance, but has entered and is entering in our life. He comes to us, to each one of us, in the sacraments through which he operates in our existence, with the faith of the Church, through which he addresses us; letting Himself be found by men, which have been touched by Him and transmit His light; with the event with which he intervenes in our lives; with the signs of creation, which he has given us. He has not only offered us his love, be he lived it first and knocks in so many ways in our hearts to awake our responsive love. Love is not just a feeling; will and intelligence belong as well to it. With his word, God addresses our intelligence, our will and our feelings in a way that we can learn how to love him “with all the heart and all the soul.” Love, in fact is not found beautiful, but it grows. In a sense, we can learn it slowly in a way that it will embrace more and more all of our strength and open to us the way to a straight life.

The second question is: Can we really love the neighbor, which can be strange to us and even nasty?

Yes, we can, if we are God’s friends. If we are friends of Christ we find each time more evident that He has loved us and loves us, even if we frequently take away from Him our eyes and live following other influences. Nevertheless, if His friendship becomes, step by step, important and decisive, then we will start to love those whom He loves and who are in need of my help. He wants us to become friends of his friends and we can do that if we remain spiritually close to Him.

And finally there is the question: with his commandments and prohibitions is not the Church making bitter the joy of the Eros, of being loved, that pushes us to the other in the desire to become a union?

In the encyclical I have tried to demonstrate that the deeper promise of the eros can grow only when we don’t seek to grab a sudden happiness. On the contrary, we find together the patience of discovering the other in a deeper way, in the fullness of body and soul, in a way that, at the end, the other’s happiness becomes more important than mine one. Then we not only want to grab, but to give, and is in this liberation from the self that man finds himself and becomes fulfilled with joy. In the encyclical ’encyclical I speak of a road of purification and growth that are necessary to fulfill the true promise of the eros. The language of our tradition has call it “education for Chastity”, which at the end, it doesn’t mean anything else but the learning of full love in the patience of growing up.

* * *

In the second part I speak about charity, the service of community love of the Church for all those who suffer in the body or the soul, and that are in need of the gift of love.

Here we find two questions: Can’t the Church leave this service to so many other philanthropic organizations?

This is the answer: No, the Church cannot do that. She has to practice love for the neighbor also as a community, otherwise she will announce the God of love in an incomplete and insufficient way.

The second question: Should not we strive for an order of justice in which there are no needier and in which charity becomes superfluous?

This is the answer: Without doubt, the goal of politics is to create a more just order of society, in which each one receives what is owed to him and nobody suffers misery. In this sense, justice is the true goal of politics, just as is peace, which cannot exist without justice. By its nature, the Church does not make politics in the first person, but respects the autonomy of the state and its order. The quest for such order of justice belongs to common reason, just as much as politics is a matter for all citizens. Nevertheless, quite frequently reason becomes blinded by interests and by the will for power. Faith then helps in purifying reason, so that it may see and decide correctly. Is therefore a duty of the Church to heal reason and strengthen the desire for good? In this sense –without making politics per se– the Church passionately participates in the battle for justice. To Christians involved in the public square belongs the task of opening always new ways to justice.

This, nevertheless, is just half the answer to our question. The second half, which is very close to my heart in the encyclical, says: justice can never make love superfluous. Beyond justice, the human person will always need love, which gives justice a soul. In a deeply wounded world like todays, there is no need to further demonstrate this. The world awaits the witness of Christian love which is inspired by faith. In our world, frequently so dark, the light of God shines with this love.”

Wednesday, January 25, 2006

RESUMO DA PRIMEIRA ENCÍCLICA DO PAPA BENTO XVI
“DEUS CARITAS EST”
SOBRE O AMOR CRISTÃO

Nota: Este resumo foi publicada pelos serviços de imprensa da Santa Sé em lingua italiana. O documento original pode ser lido aqui. A versão em português que de se seguida se apresenta não é oficial. Caso sejam detectados erros, por favor, envie um e-mail para este endereço.

«Deus é amor; quem permanence no amor permanence em Deus, e Deus nele» (1 Jo 4, 16). Estas palavras, com as quais se inicia a Encíclica, exprimem o centro da fé cristã. Num mundo em que o nome de Deus é por vezes associado a vingança ou mesmo ao dever do ódio e da violência, esta é uma mensagem de grande actualidade.

A Encíclica é composta por duas partes. A primeira parte oferece uma refexão teológico-filosófica sobre o «amor» nas suas diversas dimensões - eros, philia, agape – especificando alguns factos essenciais sobre o amor de Deus pelo homem e a intrínseca ligação que tal amor tem com o humano. A Segunda parte trata do exercício concreto do mandamento do amor ao próximo.

Primeira parte

O termo «amor» tornou-se uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas do mundo de hoje; possui um vasto campo semântico.


Em toda esta gama de significados, porém, sobressai como arquétipo de amor por excelência o amor entre o homem e a mulher que, na antiga Grécia, tinha o nome de eros. Na Bíblia, e sobretudo no Novo Testamento, o conceito de «amor» é aprofundado – um desenvolvimento que se exprime na marginalização da palavra eros em favor do termo agape, que exprime um amor oblativo. Esta nova visão do amor, uma novidade essencial do Cristinanismo, foi considerada como a recusa do eros e da corporeidade. Apesar de se terem verificado tendências deste género, o sentido deste nova visão, deste aprofundamento, é outro. O eros, colocado na natureza do homem pelo seu próprio criador, precisou de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar em puro «sexo», transformando-se numa mercadoria. A fé cristã sempre considerou o homem como um ser no qual o espírito e matéria se encontram em íntima unidade, experimentando ambos precisamente desta forma uma nova nobreza. O desafio de eros pode dizer-se superado quando, no homem, corpo e alma se encontram em perfeita harmonia. Então o amor torna-se «êxtase»; êxtase, não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus: deste modo o eros pode elevar o ser humano «em êxtase» até ao Divino. Na realidade, eros e agape nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor. Mesmo que o eros seja, numa fase inicial, sobretudo desejo, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais com ele, doar-se-á e desejará «existir para» o outro: Assim se insere nele o momento da agape.


Em Jesus Cristo que é o amor encarnado o eros-agape assume a sua forma mais radical. Na morte na cruz, Jesus, entregando-se para levantar o homem e salvá-lo , exprime o amor na sua forma mais sublime. A este acto de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual, sob as espécies do pão e do vinho, se entrega a Si próprio como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucarístia , também nós somos envovidos na dinâmica da sua doacção. Unimo-nos a Ele e ao mesmo tempo a todos os outros aos quais ele se entrega; tornamo-nos assim «um só corpo». Desta forma, o amor a Deus e o amor ao próximo estão agora verdadeiramente juntos. O duplo mandamento, graças a este encontro com o agape de Deus, não é apenas mera exigência: o amor pode ser «mandado», porque antes nos é dado.

Segunda parte

O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade eclesial inteira, que, na sua actividade caritativa, deve respeitar o amor trinitário. A consciência de tal dever teve relevância constitutiva na Igreja desde os seus inícios (cfr Act 2, 44-45) e bem depressa se manifestou a necessidade de uma certa organização, pressuposto da sua mais eficaz implementação. Assim, na estrutura fundamental da Igreja emerge a «diaconia» como serviço de amor ao próximo exercido comunitariamente e de forma ordenada – um serviço concreto, mas ao mesmo tempo também espiritual (cfr Act 6, 1-6). Com a progressiva difusão da Igreja, a prática da caridade confirmou-se como um dos seus âmbitos essenciais. A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia). São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros.

No final do século XIX, contra a actividade caritativa da Igreja é levantada uma objecção fundamental: esta estaria em contraposição – dizia-se – com a justiça, acabando por agir como sistema de conservação do status quo. Com a prática de obras de caridade individuais, a Igreja favorecia a manutenção de um sistema injusto e tornava-o simultaneamente mais suportável, refreando o potencial revolucionário e, consequentemente, bloqueanda a reviravolta em direcção a um mundo melhor. Neste sentido, o marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a panaceia para a problemática social - um sonho que entretanto se desvaneceu. O Magistério Pontíficio a começar com a Enciclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e terminando com a trilogia de Enciclicas Sociais de João Paulo II (Laborem exercens [1981], Sollicitudo rei socialis [1987], Centesimus annus [1991]) enfrentaram com crescente insistência a questão social, e no confronto com a situações e problemas sempre novos desenvolveram uma doutrina social muito articulada, que propõe orientações válidas muito para além das fronteiras eclesiais.

Todavia, a criaçãode uma ordem justa da sociedade e do Estado é competência central da política, não podendo assim ser encargo imediato da Igreja. A doutrina social católica não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, oferecendo o seu próprio contributo para a formação da consciência, para que a verdadeira exigência da justiça possa ser apercebida, reconhecida e, depois, também realizada. Todavia não é nenhum ordenamento estatal que, por muito justo que seja, pode tornar supérfluo o serviço do amor. Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Quem quer desembaraçar-se do amor dispõem-se a desembaraçar-se do homem enquanto homem.

No nosso tempo, um positivo efeito colateral da globalização manifesta-se no facto que a solicitude pelo próximo, superando os confins da comunidade nacional, tende a alargar os seus horizontes ao mundo inteiro. A estrutura do Estado e as associações humanitárias favorecem de vários modos a solidariedade expressa da sociedade civil: são assim formadas múltiplas organizações de âmbito caritativo e filantrópico. Na Igreja Católica e noutras Igrejas e Comunidades eclesiais, também apareceram novas formas de actividade caritativa. Entre todas estas entidades é desejável que se estabeleça uma colaboração frutuosa. Naturalmente é importante que a actividade caritativa da Igreja não perca a sua própria identidade dissolvendo-se numa organização assistencial comum e tornando-se uma simples variante desta, mas mantenha todo o espelndor da essência da caridade cristã e eclesial. Assim:

  • A actividade caritativa cristã, para além da competência profissional, deve basear-se sobre a experiência de um encontro pessoal com Cristo, cujo amor tocou o o coração do crente suscitando nele o amor pelo próximo.
  • A actividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. O programa do cristão — o programa do bom Samaritano, o programa de Jesus — é «um coração que vê». Este coração vê onde há necessidade de amor, e actua em consequência.
  • A caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é referido como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins. Isto, porém, não significa que a acção caritativa deva, por assim dizer, deixar Deus e Cristo de lado. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor. O hino à caridade de S.Paulo (cfr 1 Cor 13) deve ser a Magna Carta de todo o serviço eclesial para proteger do risco de se degradar em puro activismo.

Neste contexto, e face ao secularismo vigente que pode condicionar até muitos cristãos empenhados no trabalho caritiativo, é necessário reafirmar a importância da oração. O contacto vivo com Cristo evita que a experiência da incomensurabilidade das necessidades e dos limites da acção própria possa, por um lado, fazer-nos cair na ideologia que pretende realizar agora aquilo que o governo do mundo por parte de Deus, pelos vistos, não consegue, ou por outro lado, tornar-se tentação de ceder à inércia e à resignação. Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as características duma emergência e parece impelir unicamente para a acção, nem pretende mudar ou corrigir os planos de Deus, mas procura - sob o exemplo de Maria e dos Santos – atingir em Deus a luz e a força do amor que vence toda a obscuridade e egoísmo presente no Mundo.